Capítulo 2

A voz do silêncio

Lea Marcondes

O silêncio grita na alma aprisionada, mudo, sem espaço para se pronunciar. Grito de dor, grito de sofrimento, grito de angústia que geme pelos sonhos roubados. Desesperança!

Menino ou menina, moço ou moça, homem ou mulher violentados nas suas almas, seus corpos, suas emoções, nos seus desejos que gemem em silêncio. Alma que foi perfurada e sangra, chora escondida, sente vergonha e culpa. Culpa por ter sido rasgada na sua individualidade, de ter sido abusada sem permissão, ter sido invadida muitas vezes sem entender o que estava acontecendo. Inocência violada … medo instalado. Medo de falar, de sentir, de denunciar. Medo de viver a dor que sangra continuamente e bloqueia a vida. Medo que aprisiona e circula na alma como um fantasma. Corpo que revive as memórias em segredo. Corpo que chora sem som e sem lágrimas, chora quieto, mudo. Corpo que somatiza as feridas abertas e não cicatrizadas: raiva que explode em depressão, culpa, em frigidez, em distúrbios alimentares, obesidade, automutilação, em compulsões na tentativa de minimizar a dor, em coração fechado para o amor, para uma entrega livre e prazerosa.

O abuso repetido pode levar a vítima a aprender como desligar de suas emoções. É uma forma de encontrar alívio quando os sentimentos estão insuportáveis e a situação é inevitável. Ansiedade, depressão e dificuldades interpessoais são relatos comuns das vítimas. O abuso danifica o raciocínio do sobrevivente, porque tem sido formado por mentiras e enganos. Crenças como, “Sou sem valor; Deus não é bom; o amor não existe” são muito fortes. O abuso envolve traição, rejeição, humilhação, abandono e engano. Em decorrência disto, problemas que resultam do abuso podem ser vistos nos relacionamentos das vítimas. Confiar parece impossível ou arriscado. Os relacionamentos estão invadidos pelo medo. O controle nos relacionamentos parece necessário. Uma sobrevivente de abuso sexual na infância disse, “Confiar é uma palavra muito assustadora. Parece-me uma coisa muito estúpida para fazer. Todos os adultos na minha vida ou me feriram ou ignoraram aqueles que me feriram. Afinal de contas, como posso confiar, não é? Eu confio que os outros vão me ferir.”