Anos atrás, talvez você já tenha ouvido uma frase parecida com esta: “Olha como essa menina parece uma mocinha!”, dita com sorriso e admiração. Ou: “Esse menino é um conquistador!”, acompanhada de risadas. À primeira vista, parecem apenas comentários inocentes. Mas, quando olhamos com mais cuidado, percebemos que há algo mais profundo acontecendo.
Vivemos um tempo em que a infância está sendo apressada. A criança ainda é criança, mas o olhar da sociedade, da mídia e até da família começa a tratá-la como se estivesse alguns anos à frente. É aí que entra a palavra adultização – um termo que, à medida que compreendemos melhor, passa a acender um alerta amoroso no nosso coração.
A adultização não é apenas sobre uma roupa ou uma música específica. Ela é um processo. Um jeito de empurrar a criança para lugares emocionais, relacionais e espirituais que ainda não lhe pertencem. E quando esse processo acontece, algo se rompe no caminho da identidade e da espiritualidade infantil.
Como cristãos, pais, líderes e educadores, não podemos ignorar essa realidade. Precisamos perguntar com honestidade: o que a adultização está fazendo com o coração das nossas crianças?
Este é um assunto de extrema importância que precisa ser avaliado e repensado em muitas culturas.
Em algumas culturas a adultização não acontece através do viés da sexualidade, mas sim através de responsabilidades de adultos antes que tenham maturidade para tal. Como por exemplo, temos visto nas mídias vídeos de crianças japonesas pequenas indo aos mercados fazer compras para a família, assumindo papéis de trabalho em casa e fora dela que ainda não estão prontas nem em maturidade nem emocionalmente. A adultização pode acontecer de várias formas. É importante observar na cultura onde você mora, como as crianças são tratadas e como acontece este processo de adultização tão presente nos dias de hoje.
Abordo aqui neste texto uma leitura que tem acontecido na cultura brasileira, americana e outras que “sexualizam” antecipadamente a criança e levam a se tornar “pequenos adultos”.
Adultização – quando a infância é colocada em “fast forward”
A palavra adultização descreve esse movimento de acelerar a infância, encurtar o tempo da descoberta, da brincadeira, da dependência saudável. É como apertar um botão de “fast forward” (avançar rápido) na vida da criança, pedindo que ela pense, se vista, se comporte e se exponha como alguém que já atravessou etapas que ainda nem começaram. Muitas vezes até em assumir responsabilidades que não lhe competem.
A adultização aparece quando a criança passa a ser elogiada não porque está correndo, criando, imaginando, mas porque “parece adulta”. Quando a roupa deixa de ser apenas confortável e funcional, e passa a carregar sensualidade, sedução, mensagens que não combinam com a fase infantil. Quando as músicas que ela canta falam de temas que a alma dela ainda não tem estrutura para compreender.
Também enxergamos a adultização nas redes sociais. Crianças que se tornam “personagens” para o consumo alheio, que aprendem desde cedo a medir seu valor em curtidas, comentários e visualizações. Ainda são crianças, mas o lugar que ocupam já se parece demais com o mundo dos adultos – com suas pressões, comparações e expectativas.
A adultização é preocupante porque rouba o tempo. Tempo de aprender com calma, de errar sem peso, de brincar com ingenuidade, de construir a própria história passo a passo, diante de Deus. Quando a infância é atropelada pela adultização, o coração da criança é convidado a carregar um peso que não foi feito para ela.
Adultização e identidade – quem essa criança está aprendendo a ser?
Identidade não nasce pronta. É um caminho, uma construção que precisa passar por todas as etapas de modo tranquilo. A criança se descobre observando como é tratada, como é olhada, o que escuta a seu respeito. E é nesse terreno tão delicado que a adultização lança suas sementes.
Quando uma menina é constantemente elogiada por “parecer mais velha”, por “dançar como adulta”, por “ter corpo de mulher”, ela começa a aprender que o seu valor está preso à aparência, ao olhar dos outros, à capacidade de chamar atenção. Quando um menino é tratado como “conquistador”, “galãzinho”, quando tudo o que se aponta nele é charme, esperteza e sedução, ele também vai guardando mensagens sobre quem precisa ser para ser amado.


A adultização mexe com o espelho interno da criança e distorce a sua real imagem. Em vez de se ver como filha, criança em processo de crescimento, amada por ser quem é, ela passa a se ver como alguém que precisa performar para caber no papel que está sendo imposto. O corpo, que foi criado por Deus para ser lugar de cuidado, movimento e expressão, torna-se palco de ansiedade, desconforto, comparação e vergonha.
A identidade infantil, aos olhos de Deus, é um espaço de simplicidade. A criança é chamada a descobrir que é amada antes de produzir, antes de agradar, antes de “dar show”. Quando a adultização toma esse espaço, essa mensagem é trocada: “Você só é especial se parecer com esse modelo, se agradar a esse público, se corresponder a essas expectativas.”
Quantos adultos hoje carregam feridas profundas na identidade por terem sido adultizados cedo demais? Quantas mulheres e homens se sentem em dívida com um padrão inalcançável porque, lá atrás, aprenderam que nunca eram suficientes? Quando olhamos para a adultização, percebemos que não estamos apenas falando do agora, mas das marcas que essa geração levará para a vida toda. Marcas que vao repercutir nos seus relacionamentos tanto pessoais quanto profissionais.
Adultização e espiritualidade infantil – a fé sob pressão
Para além da identidade, a adultização também toca a espiritualidade infantil. A forma como a criança se imagina diante de Deus, como percebe o amor, o perdão, a segurança, está diretamente ligada à forma como ela é tratada nas relações mais próximas.
A criança aprende sobre Deus observando a forma como é cuidada. Se ela só se sente vista quando chama atenção, pode levar essa ideia para a vida espiritual: “Deus só olha para mim se eu fizer algo extraordinário.” Se ela é elogiada apenas pela aparência, pode pensar que Deus também a mede pelo que ela mostra por fora. Se é pressionada a ser “forte, madura, perfeita” como uma pequena adulta, pode imaginar um Deus que não tolera fragilidade, dúvida ou choro.
A adultização coloca a fé infantil sob pressão. Em vez de experimentar um Deus que acolhe a criança com suas perguntas simples, seus medos, suas descobertas, ela pode sentir que precisa vestir uma “máscara espiritual”. Sorrir quando está triste, dizer que está bem quando está confusa, falar de Deus como se fosse adulta, sem ter espaço para ser criança também diante dEle.
A Bíblia, no entanto, nos conduz em outra direção. Jesus não adultiza as crianças. Ele as chama, abraça, coloca no centro da conversa e diz: “Deixem vir a Mim os pequeninos.” Ele não as usa como ilustração decorativa, mas como referência de como devemos nos aproximar do Pai: em confiança, simplicidade e dependência.
Quando a adultização entra, essa espiritualidade infantil simples e verdadeira corre o risco de se perder em meio à performance. Ao invés de crianças acolhidas, temos crianças em cena. Ao invés de discípulos em formação, pequenos “atores” religiosos. A fé, então, deixa de ser encontro e passa a ser papel. Esta distorção na infância vai se refletir na vida adulta quando no papel de líderes respondem emocionalmente como respondiam enquanto criança. Adultos que se sentem feridos quando não são correspondidos nos seus desejos.
Como reconhecer a adultização com olhos de graça
Diante de tudo isso, podemos cair facilmente em dois extremos: negar a realidade da adultização (“é exagero, não é tão sério assim”) ou ver tudo com medo e culpa. Mas o caminho do Evangelho é outro: é o caminho da verdade com graça.
Reconhecer a adultização é, primeiro, permitir que o Espírito Santo ilumine nossos próprios olhos. Talvez percebamos que, sem querer, estamos repetindo frases, escolhendo roupas, permitindo conteúdos ou incentivando atitudes que empurram as crianças para um lugar que ainda não é delas. Talvez vejamos que há fotos, vídeos e posturas nas redes sociais que precisam ser repensadas.
Esse reconhecimento não é para nos esmagar, mas para nos chamar a um novo começo. Deus não nos convida a um perfeccionismo paralisante, mas a um arrependimento que transforma a prática. Quando enxergamos a adultização com olhos de graça, podemos dizer: “Sim, eu também fui influenciado por essa cultura. Mas, a partir de agora, quero construir outro caminho para as crianças que estão sob o meu cuidado.”
Podemos começar com pequenas perguntas no dia a dia:
- Isso que estou propondo ajuda essa criança a ser criança?
- Essa escolha de roupa, música, dança ou conteúdo fortalece a identidade dela em Cristo ou a joga no jogo da comparação?
- Estou colocando sobre ela expectativas emocionais de adulto – seja esteticamente, espiritualmente ou nas responsabilidades dentro da família e da igreja?
Essas perguntas não precisam nos paralisar. Elas podem se tornar instrumentos de discernimento amoroso, ajustando rota, realinhando o que for necessário.
Adultização, família e igreja caminhando juntas
Nenhuma família lida com a adultização sozinha. A cultura grita, as telas gritam, os algoritmos gritam. Por isso, a igreja é chamada a ser comunidade – lugar onde se aprende junto, se chora junto, se ajusta junto.
Famílias precisam de apoio, não de acusação. Muitos pais e mães simplesmente não percebem a adultização, porque também foram formados por ela. Precisam de espaços seguros para perguntar, compartilhar, aprender. A igreja pode ser esse espaço quando oferece formação para pais, encontros de conversa, materiais que iluminem o tema com base bíblica e sensibilidade.
Do lado do ministério infantil, a igreja também pode rever práticas. Apresentações em que as crianças se vestem ou se movimentam como adultos talvez precisem ser repensadas. Letras de músicas, coreografias, roteiros de eventos podem ser avaliados à luz da pergunta: “Estamos preservando a infância ou estimulando a adultização?”
Quando família e igreja se dão as mãos, surge um ambiente mais saudável para a identidade e a espiritualidade infantil e da família. A criança percebe, na prática, que não precisa correr para crescer antes da hora. Que tem permissão para rir alto, brincar, fazer perguntas “bobas”, errar, recomeçar, chorar, descansar. E que, em todas essas experiências, continua profundamente amada.
Adultização e cura para quem já cresceu depressa demais
Ao falar de adultização, não tocamos apenas nas crianças de hoje. Tocamos nas memórias de muitos adultos que, lá atrás, foram apressados, sexualizados, sobrecarregados, usados como apoio emocional dos pais, cobrados espiritualmente como se fossem líderes e não crianças.
Talvez, enquanto você lê, lembre-se de situações em que se sentiu velho demais sendo ainda novo demais. Lembre-se de elogios que, na verdade, eram convites à sedução. Lembre-se de responsabilidades que pesaram demais sobre ombros pequenos.
A boa notícia é que o Senhor Jesus não apenas protege crianças hoje, Ele também visita a criança que você foi. Ele conhece a sua história, os segredos que você não contou para ninguém, os lugares em que a sua própria infância foi roubada pela adultização. E, com ternura, Ele oferece cura.
Quando escolhemos cuidar das crianças de hoje, também abrimos espaço para que Deus cuide das nossas memórias de ontem. Quando dizemos “não” à adultização na vida de um filho, neto, aluno ou criança da igreja, também estamos dizendo “sim” a um novo capítulo na nossa própria jornada de restauração.
Reflexão: e se devolvêssemos a infância às crianças?
Imagine, por um momento, uma geração de crianças que pode crescer no seu próprio tempo. Crianças que não precisam provar nada com suas roupas, com seus corpos, com suas danças ou com a quantidade de seguidores nas redes. Crianças que aprendem a ouvir a voz de Deus não como um fiscal severo, mas como um Pai amoroso que se inclina, escuta, acolhe e orienta.
E agora imagine que você faz parte da construção dessa geração. Com cada “não” à adultização e cada “sim” à simplicidade, você contribui para que uma criança tenha mais espaço para ser quem é diante de Deus. Com cada escolha de não expor, não erotizar, não apressar, você afirma: “A sua infância é preciosa demais para ser roubada.”
Talvez não consigamos mudar o mundo inteiro. Mas podemos, com certeza, mudar o ambiente das crianças que estão ao nosso alcance. Podemos criar salas e encontros de ensino bíblico que celebram a infância, lares que acolhem a fragilidade, igrejas que dão lugar à pergunta e não apenas à performance.
A adultização é um alerta. Ela nos chama a atenção para algo que está acontecendo bem diante dos nossos olhos. Mas, em Cristo, esse alerta não vem como condenação; vem como convite. Convite a olhar com mais cuidado, a amar com mais intencionalidade, a proteger com mais coragem.
Que o Senhor nos ajude a devolver às crianças aquilo que lhes pertence por direito: o tempo, o encanto, a liberdade e a profundidade da infância vivida diante de um Deus que as conhece pelo nome e as ama exatamente como são, no tempo em que estão.
Referências
- AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Media and Children. Disponível em: <https://www.aap.org>. Acesso em: 4 dez. 2025.
- BÍBLIA SAGRADA. Referências utilizadas: Deuteronômio 6:4–9; Provérbios 22:6; Salmo 127; Mateus 18:1–5; Marcos 10:13–16.
- CENTER ON MEDIA AND CHILD HEALTH. Childhood and Media. Disponível em: <https://cmch.tv>. Acesso em: 4 dez. 2025.
- PROTECT YOUNG MINDS. Protect Young Minds – Resources. Disponível em: <https://www.protectyoungminds.org>. Acesso em: 4 dez. 2025.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Crianças e o uso de telas. Disponível em: <https://www.sbp.com.br>. Acesso em: 4 dez. 2025.
- UNICEF BRASIL. Site oficial – Proteção da infância e mundo digital. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil>. Acesso em: 4 dez. 2025.
Fontes e recursos para aprofundar o tema da adultização
- UNICEF Brasil – Conteúdos sobre proteção da infância e mundo digital
https://www.unicef.org/brazil - American Academy of Pediatrics – Media and Children (em inglês)
https://www.aap.org - Childhood and Media – Center on Media and Child Health (em inglês)
https://cmch.tv - Protect Young Minds – Educação sobre pornografia e segurança digital para crianças (em inglês)
https://www.protectyoungminds.org - Guia “Crianças e o uso de telas” – Sociedade Brasileira de Pediatria
https://www.sbp.com.br - Passagens bíblicas para meditar sobre infância, identidade e cuidado:
Deuteronômio 6:4–9; Provérbios 22:6; Salmo 127; Mateus 18:1–5; Marcos 10:13–16.


